OS MILHÕES DE ÁUREOS LUSTRES CORUSCANTES
Os milhões de áureos lustres coruscantes
Que estão da azul abóbada pendendo,
O Sol e a que ilumina o trono horrendo
Dessa, que amima os ávidos amantes; (1)
As vastíssimas ondas arrogantes,
Serras de espuma contra os céus erguendo,
A leda fonte humilde o chão lambendo,
Loirejando as searas flutuantes;
O vil mosquito, a próvida formiga,
A rama chocalheira, o tronco mudo,
Tudo, que há Deus a confessar me obriga:
E para crer num braço, autor de tudo,
Que recompensa os bons, que os maus castiga,
Não só da Fé, mas da Razão me ajudo.
(1) – A Lua
In “Clássicos Portugueses” – Trechos Escolhidos
Século XVIII – Poesia – Bocage – Sonetos
(Introdução, selecção e notas de Vitorino Nemésio)
Livraria Clássica Editora – Lisboa – 1941
Manuel Maria de Barbosa du Bocage
VIAGEM
Era o fim!... Mas levava a descoberta,
para o lado que a vida nunca diz,
de uma ironia lírica e desperta.
E quem faz descobertas é feliz.
Passara sobre a hora mais deserta
do silêncio, da morte, do país,
onde a luz ou a sombra é recta e certa
e parara ante a face do Juiz.
– Pecados? Bem ou mal? – Tudo era um jogo...
E o seu riso silvava contra o fogo
lá desse olhar que fere como as lanças!
Mas quando a voz ditou, fria e de fogo:
– A teus passos andados te desterro!
de joelhos, chorou como as crianças.
In “Sete Luas” – Edição de Autor
António de Sousa
(Gentilmente cedido pela neta do autor
a poetisa Maria João Brito de Sousa)
AGONIAS DOS POBRES DE CRISTO
– «Porque andas, Sol, embuçado
nessa nuvem negra, espessa?
– Também tens frio, coitado!
Eu sinto arder a cabeça,
mas trago o corpo gelado!...
Cristo-Rei se compadeça,
e nos mande o pajem loiro…
Dar-nos sol é dar-nos oiro!»
«Virgem Mãe, amaina o vento,
tira-lhe a dura vergasta…
Não é de bom sentimento
tratar assim a pobreza:
Sacode, fustiga e arrasta…
É doido e mau com certeza.»
«Chora a minha alma e quem passa
mais se apressa, não se importa…
Bate a chuva na vidraça,
todos lhe fecham a porta…»
«Ó chuva, eu choro contigo
o mal de não ter abrigo
onde há calor e carinho…
A ti impele-te o vento;
leva-me a mim o tormento…
Que triste o nosso caminho!»
«Acabe o penoso afã;
no Céu se brindam trabalhos:
Hei-de lá ser a manhã
e a chuva prata de orvalhos…»
«Cai neve, cai levemente,
faz-me a cama de lavado;
além de ser desgraçado
bem sabes que estou doente…
Chega o lençol prateado
ao meu corpo moribundo…
Aclara tu este mundo…»
– «E essa manta azul de estrelas,
esmola das noites belas,
que Deus punha sobre mim?
Era linda, grande e leve…
Roga lá no Céu, ó neve,
que ma traga um Querubim…»
Se não há ninguém que valha
a quem viva em tal pobreza,
bendita seja a mortalha
que lhe dá a Natureza!
In “Sinfonia da Terra” – 1943
Livraria Editora Educação Nacional – Porto
Isaura Matias de Andrade
QUANDO FICARES VELHA
Quando ficares velha, grisalha e sonolenta
E te aqueceres à lareira, pega neste livro
E lê-o devagar, sonha com o olhar meigo
E com as sombras profundas outrora nos teus olhos;
Quantos amaram os teus momentos de feliz encanto
E a tua beleza com amor falso ou autêntico,
Além daquele homem que amou em ti a alma peregrina
E as tristezas que alteravam o teu rosto;
E curvando-te mais sobre a lareira ao rubro
Murmura, um pouco triste, como o Amor se foi
E caminhou sobre as montanhas bem lá no alto
E escondeu o rosto numa multidão de estrelas.
In”Poemas de Amor”
Versões Ana Leal
Edição Alma Azul – Coimbra
William
(Poeta Irlandês)
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
In “Mensagem”
(Segunda Parte – Mar Português)
Estante Editora
Fernando Pessoa
A CADEIRA
Esta cadeira ao acaso
em que me sento no café,
diz-me tanto, é um tal caso,
que ninguém pensa o que é!
Quantos nela se sentaram…
e nuns minutos do destino,
como eu nela rimaram
alegria e desatino!
Uns usaram-na e morreram
sem tomarem gosto à vida…
E quantos nela se prenderam
noutra lama apetecida?
É lenho quase sagrado,
aonde a vida persiste,
há nela um cheiro suado
de quem foi, não mais existe!
Quando vai a serra ao corte
o lenho não acaba ali…
Do que se entende por morte,
morte a imagem que eu vi!
Mas a madeira perdura
na cadeira em que me sento,
que mais parece criatura,
conforme seja o momento.
In “Castelo de Legos”
Papiro Editora
Maria de Lourdes Moreira Martins
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