LIÇÃO DA NATUREZA
Quando vejo a Natureza
Ser fiel ao Criador,
Quanto no peito me pesa
A minha falta de Amor!...
Sua beleza tão pura,
Que encanta os olhos meus,
Faz-me lembrar a frescura
Da chuva a cair dos céus!
Contemplar a Natureza
É rezar uma oração
Que purifica e embeleza
Nossa humana condição.
In “Fátima Missionária”
Irmã Maria Rita Valente-Perfeito
SEGREDO
A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.
Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? É o amor?
Não diga nada.
Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.
Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.
Carlos Drummond de Andrade
UM RAIO DE SOL
Trago um raio de sol
para iluminar o teu dia,
para te dar alegria.
O Sol é a força que representa
essa luz que tem teus olhos,
que guardas no coração,
que emana da tua mão.
Um raio de Sol
para pensares no Amor,
nessa paixão
que te move para a Vida.
Um raio de Sol
para te lembrar
que o amanhã se faz hoje.
E mesmo quando
a tristeza insiste,
nada pode ser triste
quando brilha a luz em ti.
Um Sol
ou a Amizade aqui.
Poema não editado de
Manuela da Graça Barros
(Gentilmente cedido pela Autora)
PREGUIÇAR NO MEIO DIA ABSORTO
Preguiçar, no meio dia, absorto,
ao pé do muro em brasa do horto,
escutar entre as silvas e espinhos
roçar de cobras, estalar de ninhos.
Nas fendas do solo ou sobre urtigas
espreitar as filas vermelhas das formigas
que ora se cruzam ora se rompem
no alto de minúsculos montes.
Observar por entre ramos o palpitar
longínquo de escamas de mar
enquanto se ouve a trémula algazarra
nos montes escalvados das cigarras.
E andando sobre o sol que ofusca
perceber com melancólico espanto
o que toda a vida e sua busca,
o nosso dia-a-dia: um muro de horto
que tem no alto caos de garrafa.
Eugenio Montale
(Poeta Italiano)
(Trad. De Maria José de Lencastre – In “Critério” – nº 2 – 1975)
ORAÇÃO DA NOITE
Ajoelhada, ó meu Deus, e as duas mãos unidas,
Olhos fitos na Cruz, imploro a tua graça...
Esconde-me, Jesus! da treva que esvoaça
Na tristeza e no horror das noites mal dormidas,
Maria! Virgem mãe das almas compungidas,
Sorriso no prazer, conforto na desgraça...
Recolhe essa oração que nos meus lábios passa
Em palavras de fé no teu amor ungidas.
Anjo de minha guarda, ó doce companheiro!
Tu que levas do berço ao porto derradeiro
O lúrido batel de meu sonhar sem fim,
Dá-me o sono que traz o bálsamo ao tormento,
Afoga o coração no mar do esquecimento...
Abre as asas, meu anjo, e estende-as sobre mim.
Macaíba - 3 de Abril de 1899
In “Horto”
Auta de Souza
(Poetisa Brasileira)
DESÂNIMO
Ai! Quanta amargura, quanta,
o teu coração sofreu!...
Vai, triste, um cipreste planta,
onde a ventura morreu!...
Julgam-te feliz, porquê?
Por teu sorrir contrafeito?
Não sabes que ninguém vê
as mágoas que vão em teu peito?
Quanta lágrima em perlada
vertes, pobre coração,
na profunda solidão
duma noite constelada!...
Mas chora, meu peito, chora,
não comprimas teu sofrer!...
Ah, ninguém te embala, embora,
chora, que hás-de adormecer!...
In “Saudades de Amor” – 1966
Jacinto de Almeida
A PAIXÃO DA CARNE
Envolto em toalhas
Frias, pego ao colo
O corpo escaldante,
Tem apenas dois anos
E embora não fale
Sorri com doçura.
É Pedro, meu filho
Sémen feito carne
Minha criatura
Minha poesia.
É Pedro, meu filho
Sobre cujo sono
Como sobre o abismo
Em noites de insónia
Um pai se debruça.
Olho no termómetro:
Quarenta e oito décimos
E através do pano
A febre do corpo
Bafeja-me o rosto
Penetra-me os ossos
Desce-me às entranhas
Húmida e voraz.
Angina pultácea
Estreptocócica?
Quem sabe… quem sabe…
Aperto meu filho
Com força entre os braços
Enquanto crisálidas
Em mim se desfazem
Óvulos se rompem
Crostas se bipartem
E de cada poro
Da minha epiderme
Lutam lepidópteros
Por se libertar.
Ah, que eu já sentisse
Os êxtases máximos
Da carne nos rasgos
Da paixão espúria!
Ah, que eu já bradasse
Nas horas de exalta-
Ção os mais lancinantes
Gritos de loucura!
Ah, que eu já queimasse
Da febre mais quente
Que já mais queimasse
A humana criatura!
Mas nunca como antes
Nunca! Nunca! Nunca!
Nem paixão tão alta
Nem febre tão pura.
In “O Operário em Construção e Outros Poemas”
Colecção Poesia Século XX – 5ª Edição (1976) – Publicações D. Quixote
Vinicius de Moraes
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